segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

UMA HOMENAGEM AO RÁDIO

 Em plena avalanche de selfies, dancinhas padronizadas, gifs, reels viciantes, sobrevive o rádio.



O rádio é dono de uma das mais belas histórias dos meios de comunicação.  As primeiras experiências públicas de transmissão de mensagens pelas ondas radiofônicas geraram tanta tensão e expectativa quanto os lançamentos de foguetes para o espaço, respeitando as devidas proporções, é claro. Sem dúvida seu início foi um grande acontecimento, contou inclusive com disputa pela sua paternidade, o que não é inédito na história da comunicação.

Foi longa a trajetória percorrida da mera condição de hobby de playboys até a consagração de sua popularidade e reconhecimento como espaço para divulgação comercial. O rádio já foi motivo de reuniões de amigos e de famílias, que sintonizados na mesma frequência, consumiam coletivamente um determinado programa. O barateamento dos aparelhos de rádio deu início a um processo de consumo cada vez mais individual. Autofalantes já não precisavam ser dispostos em praças e gradualmente foram desenvolvidos novos hábitos de consumo que se sofisticariam até que o rádio convergisse aos bunkers tecnológicos atuais.

Quando ainda era uma estudante de especialização, tive a oportunidade de presenciar um evento com locutores e radio atores em uma Universidade em São Paulo. Auditório lotado, plateia jovem mais interessada nas horas de atividades complementares e uma mesa-redonda composta por senhores e senhoras cujas vozes, um tanto carcomidas pelo passar dos anos, ainda carregavam a lembrança da potência que um dia possuíram.  No discurso comum aos participantes, o saudosismo quanto às transmissões ao vivo dos programas de auditório, das radionovelas e das famosas cantoras do rádio. Os participantes da mesa confidenciaram à plateia, agora silenciosa e interessada, o prazer de atuar nos anos de ouro desse meio de comunicação, numa época em que belas vozes faziam crer na beleza dos locutores e mobilizavam multidões apaixonadas em frente aos estúdios.  Contaram sobre as paisagens sonoras criadas com sonoplastia totalmente artesanal. O sonoplasta se desdobrava para dar conta de recriar o som dos cascos de cavalo em pleno trote, da porta do casebre se abrindo, do barulho da chuva, do mar agitado e tantos outros que permitiam projeção do ouvinte na narrativa, como a viagem que um bom romance proporciona ao leitor.

E o que dizer da publicidade no rádio? Os clássicos spots publicitários com locuções standards e caricatas e os criativos jingles ainda dão verdadeiras aulas de adequação de mensagens comerciais às possibilidades oferecidas por esse meio de comunicação.

O rádio inicialmente aspirou ao teatro e inspirou a TV, a qual precisou aos poucos encontrar uma linguagem própria, porque o rádio já havia configurado a sua. Entretanto, com a chegada do digital essa zona de conforto se desfez. Seu planejamento, execução e edição sofreram a ação das redes de conexão. O rádio foi repaginado, ressignificado, assumiu nova significação social. Virou companheiro de treino, manutenção da saúde mental do motorista engarrafado na hora do rush e parceiro de toda e qualquer fila.

O ouvinte agora faz as vezes de radialista e seu formato preferido é o podcast. É o rádio de nicho, é o rádio desvencilhado dos grandes conglomerados midiáticos. É a prova de que o rádio sempre soube se reinventar.  E atendendo aos apelos da sociedade imagética, os programas radiofônicos agora exibem seus bastidores. 

E encerro essa homenagem ao rádio com uma percepção bem particular: o rádio é terapêutico. 

Cláudia Ribeiro Monteiro Lopes

Doutora em Comunicação e Semiótica e Professora do Curso de Comunicação Social da Wyden

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